Adoramos abrir espaço para os fãs do Portal Rush Brasil contarem vivências com o power-trio canadense em nossa coluna Senta Que Lá Vem A História. Então antes de continuar a ler, lembre-se que essa história aconteceu entre dois amigos numa tarde qualquer, e não tem nenhuma relação com arremates relacionados a leilões milionários.
Hora de ouvir Felipe Amorim que é baterista do artista britânico Jack J Hutchinson, consumidor inveterado de rock clássico, Fórmula 1 e peixe com batata.
O ano era (provavelmente) 2003. Eu havia me mudado pra capital e morava no apartamento do meu grande amigo Marcus Marangon. Tocávamos juntos em uma banda de blues. Lembro-me claramente de chegar ao estúdio de ensaio e me deparar com um quadro do Rush, mais especificamente uma foto de Geddy Lee e Alex Lifeson concentrados em executar com precisão seus lendários riffs. Haviam outros quadros de bandas que confesso ser até mais apegado, como Pink Floyd. Mas havia algo especial naquele quadro, talvez a proximidade com que a foto foi tirada, revelando com detalhe os traços dos rostos e o excêntrico figurino dos músicos canadenses, o qual me faz acreditar ser da turnê que originou o álbum ‘Exit… Stage Left’.
Marcus parecia igualmente interessado no peculiar artefato que despertou meu ímpeto de colecionador de artigos ligados ao rock. Mas mais valioso que o rock é o nobre sentimento da amizade e foi então que tive a idéia de surpreender meu amigo com um singelo presente. Perguntei ao dono do estúdio: ‘está a venda?’, ao que ele prontamente me respondeu: ‘eu quero me desfazer desses quadros… se ganhar uns trocados, melhor ainda’. ‘Quinze reais, pode ser?’, indaguei enquanto pensava na surpresa que meu amigo teria quando soubesse que era um presente. ‘Fechado’ disse o então proprietário.
Meu contentamento pela recente aquisição encerrou-se abruptamente ao ser interrompido pela voz de Marcus fazendo uma ultrajante oferta: ‘eu pago vinte mangos no quadro’.
Tomado pela fúria de ser traído pelo amigo que queria presentear, decidi não me dar por vencido. O que se seguiu foi uma sequência de ofertas num imprevisível leilão, intercaladas por ofensas e xingamentos que omitirei por respeito a quem lê este texto.
‘Vinte e cinco!’
‘Trinta’
‘Trinta e cinco’
E tão rápido quanto uma virada de bateria de Neil Peart, eu abri a carteira, peguei todo o dinheiro que lá estava e gritei, vitorioso:
Quarenta pratas! Tá na mão, me dá o quadro’…
Imprevisível como a mudança de andamento que precede o solo de guitarra em Freewill, Marcus atropelou minha negociação, proferindo com a convicção de ser o verdadeiro vencedor da disputa: ‘eu dou 50 reais no quadro’.
Desesperado, procurei em vão por um milagroso compartimento secreto em minha carteira que revelasse a existência de mais algumas notas e moedas. Cabisbaixo, permiti que o sentimento de derrota me explicasse que eu havia perdido a chance única de presentear meu amigo… Parte de mim sorria pela ironia do pensamento: ‘se ele soubesse que o quadro nem era pra mim’.
Ao sairmos do estúdio, os deuses do rock debocharam deste que vos escreve com uma ironia ainda maior:
‘Comprei pra você!’, disse Marcus me estendendo o quadro mais inflacionado da história do Rush.