Texto original do jornalista João Carvalho, do Portal UOL, sobre o leilão das guitarras de Alex Lifeson. Você pode conferir também clicando aqui. Agradecemos ao João mais uma vez por essa parceria.
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Imagine poder comprar um objeto de um ídolo, alguém que você seja muito fã. Quanto você estaria disposto a pagar por isso? No último fim de semana, até mesmo músicos e especialistas ficaram impactados com as cifras arrecadadas num leilão de instrumentos, além de alguns objetos pessoais do guitarrista canadense Alex Lifeson, do Rush.
Ao todo, o leilão arrecadou, somente com os instrumentos, cerca de 3,4 milhões de dólares, o equivalente a 16,9 milhões de reais. Outros lotes traziam também pinturas feitas por Lifeson e memorabilia do Rush desde a década de 70, como credenciais de shows, pôsteres e fotos antigas. Todo o valor arrecadado vai ser doado para instituições de caridade.
O músico fez história com a banda Rush durante mais de 50 anos, junto ao baixista Geddy Lee e ao baterista Neil Peart (falecido em janeiro de 2020). Durante esse período, conseguiu montar uma super coleção. E a surpresa no leilão começou já com lote inicial.
Considerada como “a joia da coroa” do acervo, uma Gibson ES 355, de 1976, feita sob encomenda para Lifeson. Disputada em 13 lances, foi arremata por 384 mil dólares, pouco mais de 1,8 milhão de reais.
A guitarra foi construída sob medida para Alex Lifeson na fábrica da Gibson em Kalamazoo, nos Estados Unidos, e usada entre 1976 e 2015, ou seja, por quase toda a carreira do Rush. Batizada de “Whitey”, o instrumento é destaque em todos os álbuns de A Farewell to Kings (1977) a Test for Echo (1996). Mas pode ser visto sendo tocado por Lifeson, ao vivo, durante todas as turnês entre 1977 e 2015.
“Quando encomendei da Gibson, em 1976, foi como um sonho tornado realidade. Quando recebi, não podia acreditar o quão bonito era”, citou Alex. “Sou tão apaixonado por esta guitarra. Foi definitivamente uma das coisas mais difíceis que eu já tive de desistir na minha vida. Toquei (com ela) em camarins, clubes pequenos, em grandes palcos. Esteve comigo em todos os lugares”, lembrou.
Ao todo foram leiloadas 46 guitarras, dez violões e um baixo. Numa entrevista para o site da Guitar Magazine, ele contou o sentimento em doar parte da coleção. E lembrou o momento de se separar de “Whitey”.
“Eu estava sentado em nosso vestiário, perto de nossa garagem, enquanto o caminhão de remoção (que levaria os instrumentos para o evento) estava esperando. Eu sentei lá, com aquele estojo entre minhas pernas”, disse. “Talvez soe um pouco brega, mas eu estava falando com ela. Relembrando os shows que fizemos juntos e beijando o plástico bolha”, confessou.
Outras peças também marcantes na carreira de Alex fizeram parte do leilão e conseguiram arrecadar um valor alto. Um modelo Les Paul Standard, de 1970, foi vendido por 224 mil dólares, cerca de 1,1 milhão de reais. “Gravei (o álbum) 2112 com esta guitarra, e usei ao vivo em todas as turnês que tocamos”, explicou.
Outro instrumento disputado foi o violão Gibson Dove de 1976, usado para compor Closer to the Heart, um clássico do Rush, de 1977, além de outras músicas do álbum A Farewell to Kings . Lifeson adquiriu este instrumento na mesma época da icônica “Whitey”. Foi arrematado por 128 mil dólares, cerca de 620 mil reais.
Ouça aqui apenas a guitarra limpa de Lifeson durante um show do Rush. O som vem diretamente dos captadores, sem nenhum tipo de amplificador ou efeito. O arquivo é do bootleg Scanning A New Perspective , gravado em 12 de junho de 1992, em St Louis, Missouri, EUA.
Filantropia
Altruísmo é um tipo de comportamento encontrado em seres humano, Quando ações voluntárias de um indivíduo beneficiam outros. É sinônimo de filantropia. Alex foi além do altruísmo. Não somente abriu mão de uma verdadeira fortuna em dinheiro, mas peças que contam a história da vida dele como artista.
“Eu sei que, com os fundos que espero arrecadar ajuda outras pessoas e, em alguns casos, dá às pessoas outra chance de vida. Por que você não faria isso?”, questionou.
“Minha esposa e eu estamos em um estágio em nossas vidas onde sentimos que temos coisas demais e estamos tentando ficar um pouco mais magros”.
Sobre a despedida, Alex fez questão de registrar o sentimento de poder ajudar e fez questão de ser carinhoso. “Provavelmente foi uma das coisas mais difíceis que já fiz na vida; foi tão emocionalmente difícil empacotar aquelas guitarras. Limpei, poli e troquei as cordas. Me certifiquei de que cada uma estivesse afinada quando voltaram para o estojo, e então eu o dei um beijo de despedida”, lembrou.
O presidente da Julien´s Auctions, Darren Julien, responsável pelo leilão, explicou o sucesso do evento. “A criatividade alucinante, o virtuosismo musical e o poder bruto de Lifeson ocuparam o centro do palco neste leilão épico de suas guitarras, instrumentos e memorabilia raras, lendárias. Representando seu legado duradouro como um dos padrinhos do rock progressivo”, disse Darren.
A “Whitey” Gibson ES 355, vendida por 384 mil dólares – Julien´s Auctions/Divulgação
(foto do artigo original)
Valor agregado
O guitarrista e violonista Fred Andrade, músico formado pela Universidade Federal de Pernambuco e mestre em criação e execução musical pela Universidade Federal da Bahia, é autor de dois livros didáticos, ¨A Suíte dos meios tons¨ e ¨Avulsas¨.
Fred circulou em três turnês internacionais realizando master classes e oficinas em Conservatórios de Paris, Valencia, Madrid, Amsterdã, Lisboa, Buenos Aires, Montevidéu e Santiago do Chile.
Para ele, o valor levantado pelo leilão fala muito mais pelo valor agredado a cada instrumento.
“Gibson e Fender são marcas caras. Mas o valor agregado por esses instrumentos, por terem pertencido a um músico como Alex Lifeson, aumenta ainda mais a importância”, explicou.
“Ele é um dos grandes guitarristas de todos os tempos, com muitos fãs com pode aquisitivo alto”, falou. Fred foi professor efetivo do Conservatório Pernambucano de música por vinte e dois anos e hoje ensina na Universidade federal de Sergipe.
Rush sem ego
Durante entrevista para o site Ultimate Guitar, o vocalista e baixista Geddy Lee lembrou o caráter dos parceiros do Rush. “Acho que fui abençoado por conhecer duas pessoas que, no fundo, sempre foram pessoas atenciosas”, disse.
“Até onde me lembro, não consigo pensar em uma única viagem de ego que qualquer um dos meus parceiros tenha feito. Somos abençoados com personalidades agradáveis”, registrou.