Marcelo Monteiro é um publicitário paulista que se auto-proclama como o cara mais chato do Mundo quando o assunto é música, e tudo isso se deve ao período “pós-pedrada” que ele levou quando escutou o Rush pela primeira vez com “A Farewell To Kings”. Marcelo pode até ser chato de ouvido, mas ao mesmo tempo é uma simpatia de pessoa e a história dele é uma boa forma de celebrarmos o Dia Mundial do Rock.
Lembro bem daquela tarde de sábado. Eu e meu primo gostávamos de ver um programa de clipes que passava na Globo (o nome eu não vou lembrar, claro). Era meados de 1978, eu tinha 13 anos, deixando o cabelo crescer. O fim da década de 1970 era uma mistura de ritmos e experimentação e as poucas oportunidades que tinha para conhecer músicas novas era pela televisão.
Primeiro por se tratar de um trio – o que era raro – um baixista cantando com uma voz estranha, esganiçada, e um batera cuja bateria mal cabia na tela da televisão. Eu diria que a soma de tudo isso despertou uma tremenda curiosidade na gente. Ficamos vidrados naquilo tudo. Quando apareceu o nome da banda e da música na tela, eu peguei o primeiro pedaço de papel que tinha por perto (na realidade, um guardanapo – era hora do lanchinho). Fui ditando e meu primo escrevendo: Rush – A Farewell To Kings –, pronto, “tava” anotado.
Bom, estávamos na sala assistindo o programa e, de repente, começa a tocar uma banda diferente que nunca tínhamos visto (nossa referência de rock, até então, era Led, Queen, Sabbath). Começa só no violão. Nas imagens, floresta, castelo, todo aquele clima bucólico e aí vem a “pedrada na testa”: três caras com mantos, quimonos e toda aquela vibe de bicho-grilo, típica da década de 1970, misturada com o glam que depois dominaria o visual das bandas em geral dos anos de 1980. O som que os caras mandavam era bem diferente do que estávamos acostumados a ouvir.
Na segunda feira, bem coisa de adolescente ansioso, meu primo aproveitou a hora do intervalo no colégio (ele estudou no São Bento, no centro de São Paulo) e foi até uma loja de discos ali mesmo na Rua São Bento e, com o pedaço de papel na mão, já no desespero, perguntou pro vendedor:
– Tem isso aqui?
– Sim, tenho.
– Vou levar.
Ele me liga todo eufórico falando que estava com o disco na mão. Combinamos de ouvir juntos. Era quarta-feira. Saí da Vila Prudente, onde morava, e fui até Santana na casa dele (pra quem não conhece muito São Paulo, é longe: um ônibus, um metrô e uma caminhada puxada de, pelo menos, meia hora). Ficamos a tarde toda ouvindo aquilo tudo e tentando entender a enxurrada de novas informações musicais que estava chegando nas nossas cabeças. Era complexo, era diferente.
Foi, de cara, viciante e tratamos logo de procurar mais discos da banda. Nossa única fonte era a própria loja. Caçamos os discos do Rush em tudo que era lugar, mas eu não tinha dinheiro para ficar comprando disco toda hora, sim vinil era bem carinho. Era um por mês e olhe lá.
Aos poucos, a coleção foi crescendo e eu também. Já estava com meus 15/16 anos (tá, nem tinha crescido tanto assim) e com os discos do Rush atualizados. Foi aí que comecei a notar um lance interessante. Sem querer, eu havia me tornado o cara mais chato do mundo. Mais crítico, mais seletivo, musicalmente falando. Tudo era motivo de comparação, afinal, para mim, eles faziam em três o que muitos faziam em quatro ou cinco caras. Ninguém era melhor que o Rush. Eu já não conseguia mais ouvir determinadas bandas sem alguma crítica ou comparação com o Rush, por exemplo, o próprio Led Zeppelin que eu adoro.
Fora o desespero de procurar material impresso por aqui e não encontrar nada. As editoras nem ligavam para Rush. Podíamos considerar que a banda era alternativa demais ou, no jargão moderno, muito indie. Em contrapartida, os bons sonoplastas de televisão (hoje, essa profissão nem existe mais), naquele tempo, muito ligados nas novidades, utilizavam as músicas do Rush como background (o famoso BG) em reportagens e até abertura de programas – quem assistiu MacGyver sabe do que estou falando.
Rush na turnê R40, o som que não envelhece.
O Rush me ensinou a ouvir e a sentir música de uma maneira diferente. Graças a eles, comecei a prestar mais atenção em outras vertentes do rock. Graças a eles, comecei a perceber o baterista técnico e não mais naquele cara que batia em tambores. Graças a eles, passei a admirar o Rickenbacker (até nisso o GL era diferente), conheci letras mais críticas e com profundidade, enfim, esses caras abriram as portas de um novo mundo para mim.
Enfim, o Rush foi evoluindo e eu acompanhando tudo. Não deixo passar nada. Agora, 40 anos depois, e eu no auge dos meus 51 anos, continuo mais fã do que nunca. Hoje, talvez, bem mais flexível e menos chato (mentira, continuo muito chato). Eles podem até ter dado um tempo ou mesmo terminado, não importa. O legado está aí, eternizado e para ser curtido, apreciado, degustado. O som dos caras nunca envelhece, nunca passa do tempo.