Entrevista com Neil Peart no Brasil

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Os bateristas Vlad Rocha e Christiano Rocha entrevistaram o baterista do Rush minutos antes do Show no Morumbi em 2010.

Artigo da Modern Drummer: edição novembro de 2010.
Foto: Andrew MacNaughtan (adaptada para esse artigo).
Apresentação: Tânios Acácio
Entrevistas por: Vlad Rocha e Christiano Rocha

Em nosso programa Rango do Rush que acontece em nosso perfil do Instagram – @portalrushbrasil – conversamos com os bateristas Vlad Rocha e Christiano Rocha que tiveram a oportunidade única de entrevistar Neil Peart no estádio do Morumbi, no dia 08 de outubro de 2010, na turnê Time Machine minutos antes do show. Essa foi a penúltima apresentação do Rush em solo brasileiro, e contou com público estimado de 38 mil pessoas.

Vlad Rocha e Chris Rocha, os bateristas que entrevistaram Neil Peart

Rango do Rush

Vlad e Chris fizeram uma entrevista muito boa, abordando temas pouco conhecidos pelos fãs, como a participação de Neil em outros discos e projetos fora do Rush, além do aquecimento que “O Professor” faz antes dos show usando como inspiração um estilo legitimamente brasileiro.
Entrevista imperdível. Obrigado, Vlad, valeu, Chris pelo bate-papo, pela autorização da publicação desse artigo, e por compartilharem com a gente como foi entrevistar a lenda NEIL PEART.
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No dia 8 de outubro eu, Vlad Rocha, e Christiano Rocha entrevistamos pessoalmente uma lenda da bateria: Neil Peart, um dos bateristas mais imitados e idolatrados) de todos os tempos. Se não o mais.

A entrevista realizou-se no camarim de Peart (o Bubba Gump Room) no estádio do Morumbi, logo após a passagem de som do Rush. Não foi fácil conseguir um bate-papo com o músico, que tem a reputação de ser bastante fechado, introspectivo e não dar entrevistas, principalmente nos últimos tempos, mas o resultado está aqui.

Aliás, vale a pena saber como essa oportunidade apareceu. Tudo começou na última semana de setembro, quando fui avisado pela importadora dos pratos Sabian (que Peart usa) que poderia haver uma entrevista exclusiva com Neil na semana seguinte. Não botei muita fé, principalmente após a assessoria da banda dizer que não rolaria entrevista concedida por seus membros.

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Sem problemas: apenas deixaria de entrevistar o cara que me fez tocar bateria, o responsável pela profissão que escolhi. Tudo mudou no dia 7 de outubro, quando recebi um e-mail direto do quartel-general da Sabian, informando que Neil daria uma entrevista exclusiva na tarde do dia seguinte (o dia do show) e que tudo já estava acertado. Teríamos 15 minutos com um dos mais influentes bateristas do planeta.

No dia 8 fomos ao Morumbi no meio da tarde e procuramos pelo nosso contato, Michael Mosbach, o chefe de segurança da turnê do Rush. E a bagunça começou. Seu telefone não respondia, e em cada portão pelo qual tentávamos entrar, ninguém sabia como nos ajudar. Não havia como contatar a pessoa que nos levaria até Neil.

“Mas eu tenho uma entrevista marcada com o Neil Peart.” “Sim, e eu com o Obama.” Obviamente achavam que estávamos tentando enganar as pessoas para entrar no show de graça. Após meia hora de muitos telefonemas (o Chris ligou até para um tenente da PM, amigo dele – e baterista) e da ajuda da Equipo, importadora da Sabian no Brasil, finalmente conseguimos encontrar Michael (um cara prestativo e assustador, por sinal). Ufa! Para completar a “turbulência”, nosso fotógrafo não pode participar, já que Neil só aceita tirar fotos enquanto está tocando nos shows.

Recebemos uma credencial com os dizeres “local crew”, que dava acesso a praticamente qualquer local do evento – inclusive atrás do palco – e, após “participar” da reunião do chefe de segurança com sua equipe, fomos direcionados ao camarim. Ao entrar, Neil nos aguardava em pé, com um sorriso – nada de encontrar uma pessoa sisuda, de cara fechada e sem a menor vontade de dar entrevista. Ao olhar sua expressão, senti que as coisas seguiriam muito bem. Em seu camarim, montado em um dos vestiários do estádio do Morumbi, havia um kit DW vermelho de quatro tambores (caixa, bumbo – com um pedal duplo montado, um tom e um surdo) e alguns pratos (um kit bem menos modesto que aquele PureCussion do DVD Rush In Rio, com Peart se aquecendo). Lá Neil se aqueceria para o show à noite. Nesse cenário, começamos a bater um papo que deveria durar 15 minutos. Após esse período o segurança entrou, mas Neil, educadamente, pediu para ele se retirar, e continuamos até completar meia hora de conversa, o que me fez pensar que esse tipo de profissional não quer ficar falando de “groselha” técnica e sim de coisas que realmente fazem a diferença na vida de um músico, que é o amor que ele tem pela música e sobre as coisas que fazem esse amor se fortalecer. Neil é um jovial senhor de 58 anos que se mostrou muito simpático, receptivo e humilde.

AVISO IMPORTANTE: Se você está lendo o texto e pensa que vai encontrar perguntas como “em que velocidade você toca o double-paradiddle-flambers-twist-carpado?” ou “como é tocar no Rush?”, passe para outra seção da revista. Nossa abordagem foi totalmente voltada ao lado musical de Neil, dentro e fora do Rush, suas influências, sua forma de abordar o instrumento e coisas do tipo. Aproveite!
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Legenda: MD é Modern Drummer

MD: Você tem influenciado muitos bateristas, não só de rock, a começarem a tocar. Que bateristas fizeram você ter vontade de tocar bateria?
Neil: Antes de qualquer coisa, preciso pedir desculpas aos pais de todas as crianças que começaram a tocar bateria por minha causa (risos).Quem primeiro me influenciou foram Gene Krupa e Keith Moon.

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PROCESSO CRIATIVO DE NEIL PEART

MD: Como é o processo de composição das suas partes de bateria no Rush? Qual a principal diferença desse processo desde o Fly By Night até hoje em dia, no Clockwork Angels, que será lançado no próximo ano?

Neil: Na verdade não tem diferença. Eu sempre digo que toco a música inteira. Hoje é mais fácil por causa da tecnologia, pois antigamente todos nós tocávamos juntos, aprendíamos as músicas juntos, ouvindo as partes de cada um, mudávamos algumas coisas e depois eu acabava mudando as minhas próprias partes, era uma confusão, um caos! Às vezes, algumas coisas legais se perdiam, porque a comunicação não acontecia ao mesmo tempo. Geddy Lee (baixista, vocalista e tecladista do Rush) pode ter uma ideia no baixo e eu uma ideia na bateria, mas não necessariamente ao mesmo tempo. Agora eles fazem uma demo com uma bateria programável e eu apenas toco em cima. Sento à bateria e toco várias vezes, sem contar quantas vezes é tocada cada parte.

Toco até aprender como uma música inteira, até eu ser capaz de cantar. E geralmente isso leva uns três dias. As duas músicas novas, por exemplo, são meio complicadas e mudam de repente, mas não fico lá contando 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7… Não quero fazer isso, quero cantar e tocar! Ambas as músicas foram assim, por três dias. Toquei até sabê-las internamente e só depois comecei a colocar minhas ideias e sugerir mudanças, especialmente entre eu e Geddy. O melhor desse processo é, por exemplo, quando trabalho um arranjo para a bateria e Geddy toca em cima, então posso escutar o que ele está pensando claramente, porque não estamos tocando ao mesmo tempo. Então mudo o que toquei e depois conversamos a respeito, sugerindo partes um para o outro. É uma questão de comunicação. Mas o melhor é que tudo está mais claro, aqui está a minha versão, a versão simples, e aí eles dão a opinião deles. Eles me dão muitas sugestões! Como na música “One Little Victory” que começa com dois bumbos. Eu não fiz aquilo no começo, fiz no fim, e Geddy disse: “Você deveria começar com isso!”. Para mim aquilo parecia “machão” demais para começar uma música, queria que ela fosse crescendo e ai eu tocaria os dois bumbos no final. Tem uma parte em “Caravan” em que Geddy e Alex Lifeson (guitarrista do Rush) tocam uma frase e eu iria apenas acentuá-Ia, mas nosso coprodutor em Snakes And Arrows e nas duas músicas novas, Nick Rasculinecz, sugeriu que eu tocasse usando mais os tambores. Eu disse: “Ok. posso fazer isso!”, mas não é meu ego impondo isso na música. Por isso é ótimo ter alguém como ele. Óbvio que fico feliz em tocar essa parte. Ou como em outra música nossa, “Far Cry”, do Snakes And Arrows (cantarola a introdução). Nick perguntou se eu poderia solar em cima disso, disse que sim bem feliz, eu queria muito solar nessa parte, mas nunca chegaria para eles e diria: “Pessoal, o que vocês acham se eu solasse nessa parte?”. Pareceria muito arrogante, muito egoísta, por isso adoro quando outra pessoa sugere. Esses são exemplos da interação na hora de criar uma parte para bateria, ou seja, recebo uma demo com uma bateria programada, bem simples, às vezes só um click. Escuto o que eles fazem com a bateria programável, e isso é outra coisa. Alex é ótimo em programar bateria, ele não é baterista, as partes às vezes são bem malucas, mas me dão boas ideias.

MD: Daquelas que você precisaria de cinco membros para tocá-las… (risos)
Neil: Acabo tendo muitas ideias boas com isso.
Ele ouve uma ideia rítmica, afinal todos os músicos têm senso rítmico, mesmo não sendo baterista.

MD: Você também deu ideias para as linhas de baixo?
Neil: Apenas por meio da comunicação, como quando estamos no palco. Durante uma turné muitas coisas acontecem entre nós que acabam influenciando um ao outro. Não chego a dizer o que ele deve ou não tocar, mas às vezes toco algo que faz com que ele mesmo chegue à conclusão do que deve ser tocado. Nós nos inspiramos uns nos outros indiretamente, apenas por estarmos abertos a ouvir o que o outro está tocando.

MD: Tocar com o coração!
Neil: E os ouvidos, e as mãos! (risos)

NEIL PEART RESPONDE SOBRE NOVO ÁLBUM

MD: Vamos falar sobre Clockwork Angels.
Escutei a música “Caravan”, tem muito feel de toda a banda, é bem forte… Essa será a marca registrada deste disco?

Produtos Personlizados – Neil Peart , Alex Lifeson e Geddy Lee

Neil: Sim! Temos mais umas quatro ou cinco músicas prontas, mas são todas diferentes.Essas duas acabaram sendo a primeira parte da história. “Caravan” é a introdução, e grandiosa e impetuosa e apresenta uma situação e a segunda música,”Brought Up To Believe”, é a personagem. É como um musical da Broadway se levarmos em consideração como eles são construídos, tem a cena de abertura e depois vem a primeira personagem e canta sua saudação para o público. Essas duas músicas se tornaram assim, mas por acaso, não decidimos gravar as duas primeiras músicas da história. Na verdade, compomos as três últimas músicas da história e as três ou quatro primeiras, mas não as do meio. Mas nunca decidimos que essas são as músicas que achamos as mais fortes, são apenas duas canções. Nunca pensamos em começar com as músicas número um e número dois. Elas se tornaram da maneira que são e, de novo, Nick Rasculinecz foi quem disse: “São essas!”. Essa é a única razão pela qual isso aconteceu, elas são as músicas de abertura, como em um musical da Broadway. Não percebi logo de cara, mas depois me dei conta de que é assim que elas são.

MD: Você ajudou a divulgar o nome de bateristas como Max Roach e Buddy Rich e até Milton Banana. Qual o valor de sabermos quem veio antes?
Neil: E pura inspiração, eu diria, mas também é a emoção. Quando eu tinha 12 anos, assisti ao filme The Gene Krupa Story e era tão glamoroso, empolgante, perigoso e contagiante!

NEIL PEART QUANDO GAROTO

MD: Um filme em preto e branco…
Neil: É! Eu era um garotinho quando assisti. Lembro quando comecei a escutar bandas pela primeira vez. Naquela época não havia bandas de rock na televisão do Canadá, ou aqui, em lugar nenhum, talvez na Inglaterra. Mas eu costumava ouvir bandas tocando no rádio ou em disco e tentava imaginar o que era aquele som metálico, porque eu não sabia o que eram pratos. Achava que uma bateria era composta apenas por tambores e ficava imaginando o que era aquele som, porque eu não via bandas tocando, isso era um mistério para mim. Sal Mineo é o ator que interpreta Gene no filme, ele faz um trabalho maravilhoso. Essa foi a inspiração. Depois, nos primeiros anos da minha adolescência, surgiu o The Who e ouvi Keith Moon tocando. Não assistia a vídeos ou nada do tipo, mas ouvi-lo nas primeiras músicas do The Who era muito empolgante e empolgação inspira. Isso me fez querer aprender todas aquelas coisas. Há um diretor de cinema nos Estados Unidos fazendo um documentário sobre Ginger Baker e foi na época em que ele tocou com o Cream que comecei a tocar e a me ligar em solos de bateria no rock. Dei uma entrevista para a revista Rolling Stone para esse diretor em uma matéria sobre Ginger Baker e disse que hoje todos os bateristas de rock são inspirados por ele, mesmo que não o conheçam.
É parte da história e acho que você não precisa saber. Por exemplo, quando vejo Chad Smith, do Red Hot Chilli Peppers, há muitos bateristas antigos. Um dos caras que admiro, dos primórdios da bateria, é Dave Tough. Ele é anterior a Gene Krupa, e era um poeta. Meu professor, Freddy Grubber, o conheceu pessoalmente e todo mundo amava esse cara. Aparentemente ele não era muito técnico e a afinação de sua bateria não tinha um som muito bom, mas seu jeito de tocar era maravilhoso, cheio de alma. Ele era alcoólatra, decepcionava as pessoas. Mas todos o amavam. Tocou na banda de Tommy Dorsey antes de Gene Krupa e Tommy teve de despedi–lo, mas o contratou de volta. Ele escreveu um livro de poemas, teve uma vida curta. Mais tarde, quando fiz o tributo a Buddy Rich e conheci os membros de sua banda e sua família, vi como todos amavam esse homem. O pessoal da banda falava do temperamento e da boca suja de Buddy, mas no fim dava risada, pois ele era uma pessoa amada! E isso é uma característica dos músicos. Não consigo pensar em algum grande músico que tenha sido odiado. Se algo bonito é criado por um artista, com certeza ele tem algo bonito por dentro. Pelo menos essa é minha experiência. Não há julgamento melhor de uma pessoa do que o fato de que era amada. Buddy Rich tocava muito e era amado.

MD: Nem todos sabem que você participou de outros discos e projetos sem relação alguma com o Rush, como no trabalho solo do baixista Jeff Berlin, em que toca algumas das faixas ao lado do guitarrista Scott Henderson. Nesses casos, como funciona a concepção das linhas de bateria?
Neil: É muito mais espontâneo. Com o Rush eu desenvolvo os arranjos durante um longo período de tempo, conheço bem a música e vou mudando. Estamos adorando as músicas que tocamos ao vivo, mas talvez tenhamos de mudá-las, é difícil saber. Mas esse tipo de projeto é feito em um dia.

MD: Sem ensaio?
Neil: Sim, ele me mandou uma demo, aprendi as músicas, tocamos juntos uma vez e gravamos. Não tem o detalhamento de que gosto. Gosto de trabalhar as coisas, adoro praticar. Geddy sempre brinca que eu ensaio para ensaiar. Antes dos ensaios começarem eu começo sozinho. Adoro, é tão tranquilo!

MD: É um disco excelente.
Neil: Fico feliz que tenha gostado, mas não atinge o nível que eu consigo com o Rush, já que tenho bastante tempo para trabalhar os detalhes. Mas gosto de fazer esses projetos de vez em quando porque é um desafio tocar algo desse tipo, ou os shows com a banda do Buddy Rich, mas nunca será tão bom quanto meu trabalho com o Rush, com quem tenho todas as vantagens e é a minha música. Quando toco com big band estou apenas tentando tocar, não é a minha mú-sica. Gosto, procuro melhorar, estudei com Peter Erskine há dois anos para melhorar e quero muito fazer isso de novo, mas é outro tipo de desafio. É um grande desafio e uma ótima experiência, mas para mim é só isso.

MD: Você ficou nervoso antes de tocar com a big band?
Neil: Sim, com certeza! Ficarei nervoso hoje à noite também!

MD: Também?
Neil: Sim, quando você sobe ao palco há tantas coisas que podem dar errado! Esse é o problema das performances ao vivo. Não fico nervoso no estúdio porque se algo quebrar ou eu errar, eu paro. Mas no palco…

MD: Cada noite é diferente…
Neil: É, e você nunca sabe. Por exemplo, sempre temos duas caixas, a que eu toco e uma extra. Em um show, há duas semanas, a pele da caixa que eu estava tocando arrebentou, trocamos e então a estante de caixa quebrou e meu pobre técnico de bateria ficou atrapalhado. Depois disso notei que ele passou a ter três caixas. Nunca tinha acontecido antes, mas pode acontecer! Agora estamos preparados, nunca se sabe o que pode acontecer. Falamos de Buddy Rich, então aqui vai uma história dele. Quando ele já tinha mais de 60 anos, o saxofonista dele me contou que ele estava para entrar no palco e estava nervoso. Você nunca sabe! Você sobe ao palco, se esforça, mas coisas podem dar errado, seu cérebro pode não funcionar direito, suas mãos, seus pés… Tudo pode acontecer ao vivo e por isso é algo que exige muito. Não sou fanático por tur-nés, mas continuo fazendo porque tocar ao vivo é um desafio muito importante para os músicos. Subir as escadas do palco, enfrentar o público. Você faz o seu melhor, mas não tem controle.

PERGUNTAS A NEIL PEART SOBRE PROJETO EM HOMENAGEM A BUDDY RICH

MD: Vamos falar sobre Burning For Buddy. Qual foi o maior desafio para fazer o projeto? Era uma porção de bateristas!
Neil: Sim, mas o “espírito” foi muito bom entre todo mundo. Gravamos dois bateristas por dia e cada um deles gravou duas ou três músicas, essa foi a parte difícil. Tínhamos de gravar a big band com um baterista pela manhã, outro à tarde e terminar às 6 da tarde, porque o estúdio estava à nossa disposição apenas pela metade do dia. Era um projeto de jazz e o orçamento era curto. Esse foi o maior desafio, mas ao mesmo tempo foi muito inspirador entrar naquele estúdio em Nova York e estar com Bill Bruford, Simon Phillips, Joe Morello e uma banda excelente também. Todos os dias foram empolgantes, fiquei amigo de todos os bateristas. Faço muita amizade com bateristas porque não somos competitivos, como às vezes os guitarristas são. E roteiristas estão sempre compartilhando informação.

MD: Qual foi o momento mais empolgante desse projeto?
Neil: Em minha mente a experiência toda é uma coisa só. Não divido por dias ou bateristas.

MD: É muito difícil tocar um show do Rush, física e mentalmente. Como você se prepara antes de um show?
Neil: Ensaiamos por dois meses antes das turnês, então, depois de todos esses anos, é como um botão liga/desliga. É dia de show, é isso que temos de fazer. Mas tenho um ritual: gosto de sentar no meu kit de aquecimento meia hora antes do show para aquecer e relaxar a musculatura. Tudo é uma parte importante do dia, a passagem de som é importante, tudo faz parte do ritmo do dia e tudo leva ao show.

MD: Que tipo de exercícios de aquecimento você faz antes do show?
Neil: Apenas sento à bateria e toco. Tem três patterns que geralmente toco. Adoro a valsa porque é muito relaxante, depois passo a tocar em 4 por 4. Estou apaixonado pelo novo padrão que vocês ouvirão em meu solo hoje à noite, tento tocar em cima dele.

NEIL PEART E XAXADO

MD: No Brasil chamamos de xaxado.
Neil: Xaxado? Legal! Eu estava procurando o nome, porque sei que os mexicanos chamam simplesmente de salsa, mas é algo mais específico, como merengue ou mambo. Essa é minha batida favorita no momento, acho que vou começar a chamar meu solo de xaxado. Tirei essa ideia de dois lugares. Buddy Rich tinha uma música chamada “Nutville”, que Steve Smith gravou maravilhosamente, Omar Hakim tocou em um dos concertos e da última vez John Blackwell tocou, e o ritmo se fixou no meu cérebro. E lan Wallace, do King Crimson, tinha um trio, The Crimson Jazz Trio, e no último CD eles tocaram a música “In The Court Of The Crimson King”, um hino do prog-rock, e ele fez um arranjo la-tino. Comecei a aprender esses ritmos e quando aprendemos algo novo funciona assim: “Bom, aprendi o padrão do bumbo, mas e agora, onde vai o chimbal?”. Depois aprendemos o padrão para as mãos e não conseguimos juntar tudo.
Foi a mesma coisa quando comecei a praticar a valsa. Conseguia tocar o padrão dos pés, mas travava quando queria colocar as mãos. Foi uma batida de cada vez, mas agora fico cada vez mais livre. A valsa, por exemplo, posso tocar em qualquer andamento e qualquer polirritmia sobre ela.
Trabalho nesse novo ritmo todos os dias no meu aquecimento e, quando consigo fazer algo novo, coloco no meu solo. Por exemplo, quando consegui sustentar um single stroke roll e colocar nesse ritmo, entrou no solo naquela noite. É isso que eu gosto. Nessa turnê tenho improvisado muito mais do que antes, estabeleci isso como meta. Tenho uma estrutura, uma performance musical, uma peça, mas nunca começa do mesmo jeito.
Coloco umas mudanças no meio e surpreendo meu técnico de bateria quando eu deveria estar virando o kit, mas não faço. Estou muito feliz por estar progredindo com a improvisação porque sei que desenvolvi um estilo mais composicional. Vocês ouvirão quando tocarmos o disco Moving Pictures, que toco exatamente como está gravado porque as músicas estão certas e passei tanto tempo trabalhando os detalhes, de uma virada para outra, de um ritmo para outro, que não vou mudar. Já o solo é o oposto, quero que seja mais improvisado e até mesmo as músicas novas são mais improvisadas do que as antigas.

MD: Hoje em dia há menos compassos quebrados…
Neil: O que eu faço é tirar tempos. Há vários compassos ímpares em ambas as músicas, mas eu não conto, por isso demorou tanto para aprendê-las. Porque é em 4 por 4 e de repente tem 1 tempo a mais, 4 por 4 de novo e depois 2 tempos a mais. Meus companheiros de banda me fazem esse tipo de surpresa porque acham que eu consigo tocar.

MD: Você estudou percussão erudita?
Neil: Um pouco, mas por conta própria. Tive interesse quando comecei a estudar bateria e experimentei um pouco, mas depois me dei conta de que a bateria é suficiente. Também dei uma “passeada” na percussão latina, aprendi a tocar congas e bongo, mas sempre acabo voltando à bateria. Quando vejo alguém como Alex Acuña tocar tudo tão maravilhosamente bem, penso:
“Que bom para ele!”, mas para mim a bateria é tudo de que preciso.

Neil Peart Comenta Sobre Inspiração para Músicas do Rush

MD: De onde você tira inspiração para escrever as letras das canções?
Neil: Quase que por acidente. Livros, filmes, minha própria vida…

MD: Como você descobriu a música brasileira?
Neil: Quando eu era bem jovem, porque a música brasileira apareceu na América do Norte nos anos 60. Quando comecei a aprender bateria, escutei samba. E os ritmos brasileiros fizeram parte do meu aquecimento por muito tempo porque são contagiantes! Fazia o padrão dos pés e tocava em cima, é um desafio. Também soube mais por meio de outros músicos que vinham ao Brasil fazer turnê e me falaram do Milton Banana, traziam CDs dele. Pessoas me falavam sobre tipos diferentes de ritmos tradicionais brasileiros e sobre jazz brasileiro também. Faz parte da minha vida musical por quase 50 anos.

MD: Você gostaria de fazer outro vídeo instrucional, como “A Work In Progress”?
Neil: Sim, estou fazendo um sobre turnês, falando sobre minha experiência ao me preparar para uma turné. como tocar ao vivo, como manter os andamentos e outras partes da performance ao vivo.

MD: Mas no geral. não com músicas específicas, como em A Work In Progress, em que você destacou o disco Test For Echo, do Rush?

Neil: Ele é baseado nesta turnê. Quando começamos a ensaiar, passamos a filmar e quando terminarmos vamos filmar mais um pouco para explicar. Começamos me filmando ensaiar e ai falo sobre o que estou fazendo e por quê. A parte mais importante é sobre levar isso ao palco, manter um bom andamento e escutar os outros membros da banda. Abordamos todas as partes envolvidas na performance ao vivo, porque “A Work In Progress” e sobre criar arranjos de bateria e o outro é apenas sobre solo de bateria. Este é sobre algo de que nunca falei, ser um baterista que toca ao vivo.

MD: Você usa um click track nas gravações do Rush?
Neil: Sim, mas não ao vivo.

MD: Fale sobre a concepção de seus pratos Steampunk Paragons, da Sabian.
Neil: Em janeiro deste ano comecei a fazer o design da bateria. Moro a uma hora da fabrica da DW, fui até lá para conversar e discutir ideias com o designer dos cascos, com o pintor, o especialista em ferragens e começamos a desenvolver tudo. Tenho o mesmo tipo de relacionamento com a Sabian. Eles ficaram sabendo disso e disseram que também queriam fazer algo especial.
Eles me apresentaram vários protótipos, tentando colocar um design que não mudasse o som dos pratos. No começo, com todo aquele material em cima, o som estava diferente. Os crashes estavam “encolhendo*. Trabalhamos muito com protótipos com diferentes designs, até conseguirmos algo que ficasse bonito e não mudasse o som.

MD: Quais são seus discos favoritos?
Neil: De outros artistas? Se eu fosse para uma ilha deserta, quais seriam os dez discos que eu levaria?

MD: Sim, e do Rush também.
Neil: Eu me cansaria deles em uma semana! Estou sempre procurando coisas novas, escuto muita música erudita, porque é sempre excelente e tem muita coisa, mas não gostaria de escutar a mesma música de jazz todos os dias. Nem a mesma música do Frank Sinatra, do The Who e do Pink Floyd todos os dias. Adoro todos eles, conheço todas as músicas, mas esse tipo de lista não funciona para mim, nem o top 10 de livros. Tenho vários livros que adoro, alguns li duas ou três vezes e já é o bastante. Se você lê o mesmo livro três vezes é porque é um livro bom de verdade!

MD: E você gosta das bandas que foram inspiradas por Rush, como Dream Theater, por exemplo?
Neil: É uma maravilha! O que posso dizer… Uma vez Bob Dylan disse que a melhor coisa que você pode fazer como artista é inspirar alguém. E não há nada melhor, não há nada mais que você possa fazer. Você não pode salvar a vida de ninguém, não pode fazer ninguém mais feliz, não pode fazer ninguém se amar, não pode fazer ninguém parar de brigar ou conseguir um emprego melhor, mas se conseguir inspirar as pessoas a fazer todas essas coisas …

MD: E você fez, e muito!
Neil: O prazer foi todo meu!

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AGRADECIMENTOS

Gostaríamos de agradecer especialmente à Christian Stankee, da Sabian; Michael Mosbach (chefe de segurança da turnê do Rush); Andrew MacNaughtan (fotógrafo do Rush) e a todo o pessoal da Equipo por nos proporcionar esta oportunidade única!

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