The Trees
Musicalmente, a canção é uma aula de como o Rush conseguia ser acessível e complexo ao mesmo tempo. Ela começa com uma suave e melódica introdução em violão clássico, tocada por Alex Lifeson , um reflexo do trabalho árduo do guitarrista em expandir suas habilidades. Em seguida, a música explode em um rock vibrante, navegando por diversas assinaturas de tempo (4/4, 6/8 e 5/4) de forma tão fluida que o ouvinte nem percebe a complexidade. “The Trees” serve como uma ponte perfeita entre o som épico de 2112 e o experimentalismo total de Hemispheres , prenunciando o equilíbrio perfeito entre o prog e o pop que a banda viria a dominar em Permanent Waves e Moving Pictures .
Em meio a uma discografia repleta de épicos conceituais e peças instrumentais complexas, poucas canções do Rush conseguem ser tão imediatamente reconhecíveis e cheias de camadas quanto “The Trees”. Lançada no álbum Hemispheres (1978), a faixa parece, à primeira vista, uma fábula infantil sobre a natureza. No entanto, por trás da história de árvores briguentas, esconde-se uma das mais perspicazes e complexas alegorias escritas por Neil Peart , cujos significados se expandiram para além de suas intenções originais, tocando em temas que vão da política à filosofia, mesmo que ele por toda sua vida tenha evitado o assunto.
A ideia para a letra surgiu de uma forma inesperada e, como o próprio Neil Peart revelou, de forma quase “burlesca”. Ele conta que, ao ver uma simples imagem de desenho animado de algumas árvores, teve uma epifania. A partir desse lampejo criativo, a letra de “The Trees” foi escrita em apenas cinco minutos, a mais rápida que ele já compôs. Essa origem lúdica contrasta diretamente com a profundidade que a canção viria a adquirir, provando que as ideias mais complexas muitas vezes nascem das faíscas mais simples. Mas se formos analisar de forma mais objetiva (ou objetivista), veremos que havia uma crítica direta à utopia igualitária.
Contexto Histórico
O álbum Hemispheres foi lançado em 1978, e neste período, temos Neil sendo influenciado pela filosofia objetivista da escritora russo-americana Ayn Rand que enfatizava a razão, o individualismo e o livre mercado. Neil Peart era um grande admirador e citou a filósofa como uma influência importante em suas letras e a canção utiliza a metáfora de árvores que lutam por espaço, uma forma de ilustrar a eterna disputa entre os indivíduos e a sociedade. A filosofia de Rand se baseia na crença de que a razão é a principal fonte de conhecimento e que o indivíduo deve ser livre para buscar sua própria felicidade sem ser coagido por terceiros.
Através de sua narrativa, a música apresenta uma crítica ao preceito da “falsa igualdade” que pode ser interpretada como a tentativa da sociedade de limitar o crescimento e a realização de indivíduos talentosos para supostamente beneficiar a maioria. Para quem leu as obras: O Cântico, A Nascente e A Revolta de Atlas ou A Virtude do Egoísmo perceberá que o indivíduo é a base vernacular no pensamento de Rand.
“The Trees” em Praga – Uma pista sobre a intenção da música
A apresentação de “The Trees” na capital tcheca, Praga, em 2004, durante a turnê R30 para mais de 7 mil pessoas, oferece uma perspectiva vívida de como a letra de Neil Peart era interpretada — e ressoava — em um contexto de história política real, reforçando sua intenção original como crítica ao coletivismo. O baterista do Rush comenta em seu livro Roadshow – Volume 2: Paisagens e Bateria que percebeu que qualquer pessoa no público com mais de quinze anos havia “vivido sob o jugo do comunismo” e parecia “extremamente grato” simplesmente pela presença da banda em Praga. Por fim, para retirar qualquer dúvida, Neil comenta que o empresário do Rush, Ray Danniels, estava presente durante o intervalo, e disse estar emocionado ouvindo a gente tocar “The Trees” num antigo país comunista.
So the maples formed a union, and they passed a noble law / Now the trees are all kept equal, by hatchet, axe, and saw
Então os bordos criaram um sindicato, e eles passaram uma lei nobre / Agora as árvores são mantidas todas iguais, por meio de lâminas, machados e serras.
Por que a questão sobre The Trees levanta tanta polêmica
Respondendo de forma bastante direta: porque o Rush manteve uma carreira pouco politizada, ainda que as músicas tenham encaminhado para esse lado. Quando o Portal Rush Brasil cobriu a entrevista da DJ Donna Halper para UCS-FM em 2020, o assunto veio à tona. Flavia Vidor e Candice Soldatelli (tradutora dos livros do Rush no Brasil) perguntaram:
“Donna, você já disse que o Rush nos ensina a tomar decisões pela razão e pela lógica, mas muitas pessoas tomam decisão baseadas na emoção, e isso pode causar problemas mais tarde. Há fãs liberais, conservadores, alguns que amam Donald Trump, e outros que odeiam o cara, mas o Rush reúne as pessoas. Como isso é possível, Donna? Qual é a fórmula para um fã do Rush amar Trump, quando a gente tem letras tão fortes como The Trees?”
Donna com muita classe respondeu:
“A música é uma linguagem universal. É como se fôssemos ao cinema, e cada um fala algo de sua própria perspectiva… cada um traz a própria lente, os próprios ouvidos. A música une isso tudo, mas a interpretação acaba sendo bastante diferente para cada um.”
O que é honesto de dizer sobre “The Trees”?
É verdade dizer que no final da década de 70, período que “The Trees” foi composta, Neil estava mergulhado na filosofia objetivista de Ayn Rand. Além disso, o relato do show em Praga na turnê R30 em sua biografia, mostra que Neil percebeu a emoção do público que tinha vivido um regime autocrático no passado, e a emoção do próprio empresário do Rush pela realização do show na capital da República Checa.
Também é correto afirmar que a banda buscou se afastar da associação do objetivismo egoísta de Ayn Rand, como por exemplo disse Geddy Lee em entrevista ao site Vulture.com:
“Havia algumas coisas sobre as quais cantávamos quando tínhamos vinte e poucos anos que pareciam muito importantes. Mas com o passar do tempo, você melhora essas opiniões porque a vida lhe ensina que não é tão simples. Depois de encontrar problemas e começar a ajudar sua família ou amigos com alguns deles, você aprenderá muito sobre quanto da vida foi vivido nas áreas cinzentas, em oposição às áreas pretas e brancas.”
Por fim, vale lembrar que Neil afirmou não ser discípulo de ninguém, e acreditar que o indivíduo é primordial em questões de justiça e liberdade, mas em filosofia, como Aristóteles disse há muito tempo, o bem supremo é a felicidade. Sua autodeterminação como indivíduo faz parte da busca pela felicidade, em que se descrevia como um “libertário de coração mole”.
Fontes: