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Conversa com

Candice Soldatelli – Parte 1

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Conversa com Candice Soldatelli

Nascida em São Marcos na Serra Gaúcha em 1975, Candice Soldatelli é uma competente tradutora que tem a árdua missão de traduzir os livros de Neil Peart que contam com assuntos complexos como filosofia, ortinologia, o universo do motociclismo, paisagens geográficas, entre outros temas que habitam a mente brilhante do baterista. Nessa entrevista, mergulhamos no livro Ghost Rider – A Estrada da Cura, falamos sobre o Far and Away – Longe e Distante que já tem pré-venda agora para setembro e descobrimos mais sobre o repertório musical dessa gaúcha que é chamada carinhosamente pelos fãs de Musa. Confira a entrevista e faça seu comentário na fanpage do Portal.

PRB – Candice, seu currículo como tradutora é impressionante, que inclui o clássico “1001 discos para ouvir antes de morrer” e um clássico para quem conhece o universo Cyberpunk com o livro Monalisa Overdrive. Acho que vale a pena a gente começar falando mais da sua carreira de tradutora.

Candice – Eu participei do 1001 discos apenas como tradutora júnior, não assinei a obra (fazia parte da equipe do tradutor sênior Carlos Irineu da Costa). Mas foi um trabalho excepcional, aprendi muito sobre o vocabulário de música. Já o Monalisa Overdrive foi algo muito acima das minhas expectativas, William Gibson é um gênio. Foram dois batismos de fogo na minha carreira de tradutora literária.

PRB – Legal. Falando sobre o Ghost Rider. Sei que você é fã de “The Pass”, e percebo que essa música pode ser relacionada de alguma forma com a jornada de Neil. Na parte pessimista da letra, ouvimos: “ Você não consegue encarar o desafio da vida/Nada é o que você achou que seria/ (…) Nenhum herói em sua tragédia”. Mas no refrão, vemos por uma perspectiva mais positiva: “Vire-se e supere o limite”. Comente para gente esse momento que envolve a tragédia e a superação de limites vivida intensamente nas estradas por Peart”.

Candice – Nos eventos de divulgação de Ghost Rider – A estrada da cura, sempre mencionei The Pass porque é uma canção que fala claramente qual é a posição de Neil Peart com relação ao suicídio e a outras formas de abandonar a vida. Depois de perder a filha única e a esposa em pouco mais de um ano, talvez tenha passado pela cabeça de Neil Peart suicidar-se. Mas ele jamais faria isso, ele valoriza demais a vida, a natureza, o mundo. Manter-se em movimento foi a saída que ele encontrou para lidar com o luto. Ghost Rider – A estrada da cura é um dos melhores livros sobre o luto que já li na minha vida. Acho que as letras de Neil Peart mostram isso, mostram a complexidade de tudo que nos cerca e de que forma podemos refletir sobre o que acontece sem se entregar ao destino (não sei se é bem a palavra certa, mas percebo isso, uma recusa a entregar-se nas mãos do intangível e do inexplicável).

PRB – Realmente, “entregar-se” é algo que Neil dificilmente faz. Até se formos comparar com a trajetória da banda, eles nunca “se entregaram”. Tenho a percepção que mesmo com os percalços, eles tinham (ainda que algumas limitações), algum tipo de controle do que eles queriam. Concorda?

Concordo totalmente. Quem assistiu ao belíssimo documentário Beyond the Lighted Stage vai lembrar da parte em que os três explicam como conceberam 2112 contrariando os desejos da gravadora e os supostos anseios da indústria musical. Foram fieis à sua música e o resultado foi um sucesso estrondoso de público, o que lhes garantiu a total independência artística desde então. O Rush sempre esteve muito a frente do seu tempo e hoje é mais popular do que jamais foi. É uma banda que sempre foi cult e que continua arrastando multidões para os shows, sem jamais trair sua arte.

PRB – É verdade. Foi bom você ter citado o Beyond The Lighted Stage. Nós no Portal dedicamos um menu exclusivo com os capítulos do documentário. Estamos no oitavo e na próxima semana sai o resumão da nona parte. Fazendo um paralelo com o que você disse e com o livro Ghost Rider, você acha que os produtores conseguiram abordar a essência do livro, mesmo com a limitação do tempo do capítulo? Refiro-me a parte da tragédia do Neil. 

Eu já assisti àquele documentário várias vezes e sempre fico maravilhada com a delicadeza e o bom gosto com que trataram o capítulo Ghost Rider. Ouvir as canções de Vapor Trails ao fundo, conhecendo toda a história, ver Geddy e Alex falar com a voz embargada sobre o que aconteceu, ouvir de Neil as mesmas frases que aparecem no livro, tudo é emocionante demais. Quando tudo aconteceu em 1996 e 1997, a internet recém estava começando e as notícias que chegavam até aqui no Brasil eram poucas e nada detalhadas. Depois do livro e do documentário, creio que nós, os fãs da banda, finalmente compreendemos que aquilo poderia ter sido o fim de tudo. Mais do que isso, acredito que todos passaram a admirar Neil Peart não apenas como músico, mas como o ser humano maravilhoso e inspirador que ele é, um gênio.

PRB – Juro que estava fazendo essa entrevista ouvindo Vapor Trails no fundo… agora deu mais sentido ainda a entrevista , 🙂

Candice – Eu não entendo por que razão alguns fãs do Rush esnobam Vapor Trails como um álbum menor dentro da discografia do Rush. Acho um absurdo. As letras e a música são incríveis, mesmo na versão “suja” do álbum, antes da remasterização. Mas é claro que tal visão foi construída por causa do livro Ghost Rider – A estrada da cura. Tanto Test for Echo quanto Vapor Trails são os dois extremos de uma ponte que cruza um abismo profundo na história do Rush. A ponte é o livro.

PRB – Gostei dessa simbologia. Vapor Trails para mim, nunca vai sair dos meus 5 álbuns prediletos da banda. quando alguém for buzinar nos meus ouvidos sobre o álbum, vou citar isso que você disse… obrigado, hahaha.
 

Candice – Fique à vontade para isso (risos). Outra dica: Clockwork Angels está por todo Far and Away – Longe e distante. Cada capítulo traz um verso, uma ideia, um conceito explorado nesse álbum fantástico. The Garden está quase que todinha no epílogo do livro, só que em formato de ensaio. 

 

PRB – Você chegou num ponto que eu queria chegar sobre o novo livro do Neil, já que você está trabalhando na tradução. O que você pode dizer para a gente do Portal mais sobre “Far and Near: On Days Like These”?
 

Candice – Vamos por partes. A editora Belas Letras vai lançar a pré-venda de Far and Away – Longe e distante na segunda quinzena de setembro. Estou quase terminando a tradução do segundo livro (Neil Peart pensou numa trilogia que chama informalmente de Roadcraft – A arte da estrada). O segundo é Far and Near, que reúne os textos publicados no site dele entre fevereiro de 2011 e abril de 2014, com a inclusão de fotos impressionantes, tanto das viagens de moto quanto dos bastidores do Rush (há um capítulo totalmente dedicado à tão aguardada indicação do Rush ao Rock n’ Roll Hall of Fame). Segundo o que me disseram os colegas da ECW Press – a editora canadense com sede em Toronto -, o terceiro livro da trilogia deverá ser publicado no final de 2016. 

 

PRB – Ah, sim. Agora ficou mais fácil de entender. Bem, Candice, para a gente fechar nossa entrevista que ficou incrível….  eu sempre defendi a ideia de que o Rush é uma filosofia, é um tema que costumo abordar com frequência. Bem, como seu inglês é impecável, é bastante óbvio que você consegue se adentrar ainda mais nas letras do Neil. Diga para a gente sobre as músicas que te tocam mais principalmente levando em consideração as letras do professor.
 

Candice – Difícil essa, hein? Na verdade, existem fases da vida em que diferentes fases do Rush se encaixam melhor. Na época em que estava traduzindo Ghost Rider – A estrada da cura, eu praticamente só ouvia Test for Echo e Vapor Trails. The Color of Right me emociona demais, tanto pela letra e pela música impecáveis, quanto pela história: Neil se inspirou justamente num livro sobre direito que sua filha estava lendo para um trabalho da faculdade. Pouco antes de ir para Toronto assistir ao meu primeiro show do Rush, eu coloquei 2112 no repeat. Falando no show, um cara que estava ao meu lado me perguntou se eu sabia mesmo cantar todas as letras. Tive que rir e disse: “Sei quase todas”. Quando disse que era brasileira, o cara lembrou do Rush in Rio e de como todos ficaram impressionados quando o público cantava junto. Atualmente, no meu carro, estou com Roll the bones tocando direto, e acho o máximo quando a minha filha de 7 anos acompanha o Geddy: “Why are we here/Because we’re here/Roll the bones”. Tem sido muito bom revisitar um álbum que, juntamente com Presto,  marcou a minha adolescência.

Enfim, não teria espaço suficiente para falar da filosofia do Rush e das canções mais marcantes para mim. Deveria escrever uma tese de doutorado sobre isso (e mesmo assim não seria o suficiente).
 

PRB – Só histórias legais que você citou acima, mas tenho uma fonte segura que me afirmou que você tem uma queda por “Animate”.
 

Candice – E que garota fã do Rush não tem uma queda por Animate? É tudo o que uma mulher gostaria de ouvir de um cara, não é?
 

PRB – Certíssimo! Candice, sua mensagem final para os fãs do Portal Rush Brasil, por favor.

Candice- Eu quero apenas agradecer o apoio de todos os fãs do Rush nessa aventura que tem sido trazer os livros do Neil Peart para o Brasil. Sem o incentivo dos fã-clubes, das bandas tributo, dos blogueiros, nada disso seria possível. Como já falamos acima, o Rush é muito maior do que uma banda de rock, é uma filosofia de vida, e os livros de Neil Peart, o documentário, as inúmeras entrevistas de Geddy e Alex às quais temos acesso hoje no YouTube são a prova disso: estamos diante de três gênios, de três artistas que já se tornaram ícones de várias gerações. Não deixem jamais de apresentar o Rush a alguém, é um favor que estarão fazendo às pessoas. 

Candice- Muito obrigado, e como sei que você aprecia YYZ, vou falar o que costumo dizer aos fãs na despedida… “muito YYZ para você”. Nosso abraço!

Candice – Um abraço para ti também. Boa noite. Rush on!