Starman
Counter parts

Conversa com

Donna Halper – Parte 1

Hold

compartilhar

Conversa com Donna Halper

1 PRB- Donna Halper, acredito que a melhor forma de começar a entrevista é agradecer por todo carinho que você tem com os  fãs do Rush. É comum vermos camisas, mensagens ou cartazes com a mensagem em caixa alta “Thank You, Donna Halper”, como dos fãs em frente ao Rock n Roll of Fame em abril 2011,  pressionando os organizadores a incluírem o nome do Rush na cerimônia.

DH – Eu amo os fãs e sou grato por apoio deles ao Rush, bem como pela bondade que têm comigo. Eu tive a oportunidade de conhecer os fãs de Rush em todo o mundo, e tem sido um privilégio. 

2 PRB – Na cerimônia de 2013 do Rock n roll of Fame em que o Rush recebeu a homenagem com o discurso de David Grohl, vimos ele dizendo: “sem modinha, sem fazer besteira, o Rush conseguiu de baixo para cima (…) sem nenhum tipo de ajuda da imprensa que dita tendências: Rolling Stone (tosse, tosse, tosse).
Foi uma tossida direcionada para uma revista, mas é claro que significou para muitos opositores do Rush. Gostaria que você comentasse sobre os críticos do power-trio e o posicionamento seguro da banda perante ao fãs para esse tipo de questão.

DH – Durante muitos anos, havia um grupo de críticos musicais que odiavam o Rush, que insultava sua música, fazia piadas sobre a voz de Geddy e até mesmo dizia que a banda não tinha talento. Isso, é claro, foi ultrajante: é verdade que o primeiro álbum de Rush foi muito básico, mas depois disso, eles continuaram fazendo um trabalho incrível e criativo. Mas esses críticos mais antigos tinham desprezo pelo Rush, e alguns tentaram manter a banda fora do Rock & Roll Hall of Fame. Os rapazes me disseram que não se importavam, mas no fundo eu tenho certeza que eles ficaram frustrados porque o Rock Hall não lhes mostrava nenhum sinal de respeito. Nem a revista Rolling Stone. Enquanto isso, os fãs nunca desistiram. Durante muitos anos, fãs de todo o mundo assinaram petições e escreveram cartas, pedindo que o Rush fosse escolhido; foi uma ocasião tão feliz quando os caras foram finalmente selecionados para indução que certamente alguns desses críticos devem ter se aposentado. Um novo grupo de críticos musicais tomou seu lugar, e desde que eles cresceram ouvindo a banda, eles se tornaram fãs. Muitos escreveram críticas favoráveis ​​e elogiaram o Rush pelo  talento e sua longevidade e esses críticos não tiveram nenhum problema em votar para que eles entrassem no Rock Hall. Então, a história teve um final feliz!

3 PRB – Neil Peart na década de 90 saiu com alguns amigos de bicicleta pelos países da África e enfrentou sede, fome e enormes desafios em sua jornada que é muito bem descrita no livro “ O Ciclista Mascarado”. Anos depois, após um intenso período de luto, ele viajou por mais de 90 mil quilômetros passando por várias nações do continente norte-americano em que podemos testemunhar com a obra “A Estrada da Cura”. Sendo Neil Peart inquestionavelmente uma referência literária em crônicas de viagem, porque não vemos estudiosos falando sobre sua obra?

DH – Mas nós vemos, embora não tanto quanto alguns de nós gostaríamos. Existem vários livros que analisaram as letras e a filosofia da música do Rush (e as letras de Neil). Mas fazendo justiça aos professores e estudiosos, eles não estão intencionalmente ignorando Neil. Na verdade, existem muitas bandas de rock que nunca são analisadas ou escritas por estudiosos. Infelizmente, ainda há uma crença de que a música rock é apenas “cultura pop” e não é um assunto adequado para o estudo acadêmico. Alguns estudiosos discordam disso e escrevem sobre música popular, ou analisam letras (isso foi feito com Bruce Springsteen e Bob Dylan, para dar dois exemplos). Mas eu não espero que mais professores escrevam sobre Rush, já que muitos não se concentram na análise do Rock. Contudo, sei de pelo menos um curso universitário (na Universidade Tiffin em Ohio) dedicado ao estudo ao Rush, e talvez haja outros.

4 – PRB – Acredito que o curso da Tiffin University deve ser ótimo. É só uma teoria minha, mas as disciplinas devem abordar temas relevantes como: a importância do trabalho (Working Man – álbum Rush), o valor da liberdade do indivíduo frente às questões governamentais e religiosas (2112 – álbum 2112), como nossas escolhas são fundamentais ainda que protelemos nossas ações (Freewill – álbum Permanent Waves) e como nós envelhecemos (I Think I am Going Bald – Caress of Steel, rs).
Bem, esse seria resumidamente as disciplinas do meu curso, mas eu juro que seria o primeiro a me inscrever num curso em que você seria a professora sobre o Rush (é uma boa ideia não?). Você aborda elementos das letras do Rush em suas aulas de jornalismo?

DH – Sim, o curso foi divertido, os alunos adoraram e o professor fez um excelente trabalho. Não se tratava apenas do Rush, mas da cultura americana e da sociedade durante os anos em que a banda estava fazendo música. As letras das músicas foram analisadas e discutidas, e eu fiz uma aparição também graças ao Skype.

Se eu estivesse ensinando sobre o Rush, seria em um curso que envolvesse filosofia (Neil é um filósofo), história do rock, história de negócios de música e história cultural (como a cultura mudou durante os 40 anos que o Rush esteve na música? Como a música mudou? Como a sociedade mudou? Como a música do Rush mudou ao longo dos anos?).
Às vezes, cito Rush, e sim, cito músicas como “Free Will”; Meus alunos sabem que eu sou uma ex-DJ, então cito muitas canções! Mas principalmente quando estou ensinando jornalismo, estou treinando futuros repórteres sobre como ser preciso, justo e completo. Acho que as letras do Rush se encaixam melhor nos cursos de cultura popular ou nas histórias sobre Rock n Roll. 

5 PRB – Legais os pontos abordados, Donna. Eu destaco “como a música de Rush pode mudar ao longo dos anos?”.
Eu não sou um músico, mas amigos meus que são, concordam comigo que a banda mantém uma identidade ao longo desses 40 anos. Se formos dividir a carreira da banda em fases, veremos heavy, prog rock, new wave com sintetizadores, etc, etc etc, bem “In The End” (no final) é Rush. Quero dizer, rótulos nunca se encaixam bem quando tentamos descrevê-los e eu sempre tive a sensação  que se deixássemos Alex, Geddy e Neil em um quarto com objetos aleatórios como: latas, canivetes-suíços e galhos de árvores, eles iriam sair de lá e nos entregar uma canção brilhante com a marca “Rush”. Como eles podem fazer isso? Isso é um quase que um dom coletivo de “Macgyvers”.

DH – Na verdade, trata-se de criatividade e visão. Neil foi escolhido, não apenas por sua habilidade com a bateria, mas por sua habilidade com palavras e sua capacidade de escrever letras inteligentes e provocadoras. Neil criou conceitos novos e excitantes, e então os rapazes colaboram para encontrar a música certa (às vezes é o contrário – Alex ou Geddy pensam em alguma ideia musical, e então Neil cria as palavras certas para ela). Neil adora livros – ele os escreve, mas também os lê. Ele é como um poeta em sua capacidade de escolher as palavras perfeitas para uma canção – ele usa metáforas e símiles lindamente e pode pintar um quadro com palavras. Isso é um dom que nem todos têm. Alguns grandes compositores como Bob Dylan ou Bruce Springsteen vêm à mente, mas Neil está em uma classe própria.

A música do Rush mudou porque a vida mudou. E ainda, ainda sim é Rush. Como você sabe, uma banda é afetada pelo mundo à sua volta. Como a vida muda, tem um impacto sobre as letras e o estilo de suas canções. Essas mudanças de vida são especialmente verdadeiras para Neil. Por exemplo, na década de 1970, ele estava lendo as obras de Ayn Rand e  foi muito influenciado por sua filosofia. Mas à medida que crescia e via mais sobre a vida, ele gradualmente veio a rejeitar a filosofia de Rand. Ele se afastou na ideia de ser um conservador, e se afastou também de acreditar que não é uma boa idéia dar caridade aos outros (como, para ajudar os pobres). A filosofia de Rand é uma espécie de “cada homem por si mesmo; Se você é pobre, então a culpa é sua; Você deve trabalhar mais, mas eu não tenho obrigação de ajudá-lo”. Mas gradualmente, Neil chegou a acreditar que a vida nem sempre é justa e os pobres nem sempre são culpados por suas situações. Então, sua atitude mudou e ele se tornou mais moderado, talvez até liberal sobre algumas questões.
Perder a esposa e a filha também o afetou, e depois que ele se afastou totalmente da música e de seus amigos, ele finalmente voltou com uma nova apreciação por estar vivo. Voltou a casar-se, dedicou mais tempo à sua esposa e filha …

O que quero dizer é que a viagem de Neil se reflete em suas letras e nos diferentes tipos de música que a banda realizou. Se você perguntar a Alex e Geddy, eles vão dizer o que eles disseram em “Beyond the Lighted Stage” – como músicos, você sempre quer tentar algo novo. Às vezes, isso funciona, às vezes precisa ser revisto ou mesmo alterado por completo. Mas você sempre tem que continuar crescendo e continuar encontrando novas maneiras de expressar sua criatividade, sem sacrificar sua identidade básica.

Eu concordo que o Rush experimentou com sucesso e tentou novas direções sem deixar de lado sua própria identidade.

6 PRB – Estou realmente adorando que estamos indo profundamente sobre esses assuntos. Um dos últimos artigos no Portal Rush Brasil foi sobre como Ayn Rand influenciou a cabeça de Neil. Eu li os dois volumes de “The Fountainhead” e para ser franco, fiquei chocado com o desfecho: o egoísmo em um nível muito elevado em uma perspectiva. No entanto, existe uma busca por ideal, se você busca enxergar com os olhos do protagonista. Que bom que o “Professor” soube se afastar da parte ruim como você mesmo disse.

DH – Mas Ayn Rand era muito popular entre os jovens nos anos 50 e 60 – um momento em que os jovens muitas vezes são muito auto-envolvidos (pensando muito sobre si mesmos e seus próprios sentimentos).  O livro dela “Revolta de Atlas” disse aos jovens na época que era bom ser egoísta e não ter que fazer nada para qualquer outra pessoa.  É triste constatar que muitos republicanos nos EUA ainda acreditam nisso até hoje.