Vagner Cruz é um nome crucial para quem quer conhecer mais sobre o Rush com seu impressionate projeto RUSH FÃ CLUBE, realizado já há 10 anos. Mergulhando profudamente nas letras, Vagner relata também sobre a importância da banda em sua vida, e cria um paralelo entre as canções e o atual momento da banda com a turnê R40. Essa não é uma entrevista curta, aconselhamos que você separe um tempo para ler na íntegra e no final, você verá que valeu a pena. Então vamos lá:
1. PRB – Antes de mais nada, obrigado de verdade pela entrevista, para colocar o site no ar a gente precisava começar bem, e fazer essa entrevista contigo é começar enormemente bem. Nosso prezado Vagner Cruz, você faz um trabalho incrível sobre o maior power trio do Rock´n Roll com o blog Rush Fã-Clube, antes de falarmos da banda, queremos ouvir de você, conta para a gente como surgiu sua paixão pelo Rush?
Olá Tânios. Grande prazer para mim falar contigo.
Bom, esse trabalho surgiu como uma iniciativa de certa forma impensada. Eu fui morar em outra cidade depois que casei, e acabei me distanciando de grande parte dos meus amigos. Sempre fui fã de rock em suas mais variadas vertentes, e o Rush havia se tornado minha banda favorita. Por ser tão especial, você sente falta de conversar com outras pessoas sobre a obra deles, sobre suas músicas maravilhosas e letras incríveis. Era justamente isso que me faltava. Num domingo, no dia 26 de junho de 2005, eu estava começando a utilizar a rede social mais famosa na época, o Orkut, e vi nela uma bela oportunidade para me relacionar com outros fãs da banda. Basicamente, foi assim que nasceu o Rush Fã-Clube.
2. PRB – Bacana, você falar sobre isso. De que forma você percebe as letras do Rush com as coisas à sua volta? Seria exagero dizer que existe uma ideia de filosofia em torno da banda?
Eu acho que o Neil é muito hábil em captar características inerentes a qualquer ser humano, e isso é mágico. É razoavelmente fácil você reconhecer a singularidade dos homens e sua complexidade, mas compreender suas similaridades e transcrevê-las em letras é incrivelmente fabuloso. Acho que a banda passeou por momentos distintos, começando apenas como garotos e se tornando maduros juntamente com o trabalho que produziram como banda. São muitas influências bacanas, notáveis até como Ayn Rand, Hemingway, John Dos Passos, George Orwell, além de outras que ele acaba visitando pela proximidade dos temas. O que sempre fica claro, desde as letras em Fly By Night, é a afirmação do indivíduo e de sua força em escrever seu próprio caminho. É maravilhoso. Eu ganhei muitas coisas por curtir a música produzida por eles. Não tenho nenhuma reserva em dizer que me tornei um ser humano melhor (de acordo com que entendo como um ser humano melhor) sendo fã desses caras.
3. PRB – Quando você fala sobre singularidade eu lembro do trecho “A complete society/A simple kind mirror/ To reflect upon our own/All the busy little creatures/ Chasing out their destinies” e quando você cita Ayn Rand e a ideia de individualidade, eu logo penso nos sacerdotes opressores de 2112, seria essa a ideia?
Sem dúvidas. “Natural Science” é uma construção maravilhosa, vívida e atualíssima. Eu adorei pensar um pouco mais sobre ela e escrever para o blog há alguns meses. Essa analogia em “Tide Pools”, que utiliza o microcosmo das chamadas poças de maré como a representação de um vasto universo é absurda. Como ela nos faz refletir sobre nossa pequenez – mas não no sentido de insignificância, pois também cumprimos um papel aqui – mas sobre o lugar que ocupamos no universo. Sobre “2112”, sem dúvidas é a mais marcante deles, mas há outros temas que refletem isso também, como a própria “Red Barchetta” que, de uma maneira diferente, também exalta a força do indivíduo.
Agora, um dos temas mais fantásticos trabalhados por Neil na minha opinião está em “Lock and Key”, do álbum Hold Your Fire. Pensar sobre o instinto assassino presente em cada ser humano foi incrível. Todos o trazemos bem guardado, mas ele está lá, pronto a explodir em alguma situação que o provoque.
4. PRB – Legal essa análise, Vagner. Vamos aproveitar que você está mergulhando profundamente nas letras (algo que nós queríamos) e vamos pedir para você falar pra gente sobre Xanadu, que na minha opinião, é a grande obra-prima do Rush. Faça, por favor, ponderações sobre “imortalidade” que é crucial para quem conhece sobre a letra.
Um dos hinos da banda, sem dúvidas. De antemão, as interpretações das canções do Rush são muito amplas, abertas, e seria uma imensa pretensão minha tentar esgotar todas as ideias que as mesmas possam oferecer. Peart é muito hábil nisso – ele provoca a mente dos ouvintes, propondo uma direção a percorrer. “Xanadu” é baseada no poema Kubla Khan, do poeta inglês Samuel Taylor Coleridge. A ideia inicial do letrista era trabalhar um tema baseado no filme Cidadão Kane, de Orson Welles, que utiliza um trecho desse poema em sua abertura. Pesquisando a obra, ele acabou ficando fascinado com as imagens da mesma, decidindo abandonar seu projeto inicial. “Xanadu” é muito simbólica e aberta, é difícil definir suas verdadeiras intenções. Porém, a letra parafraseia o poema, desenhando elementos como o leite e mel como a representação de renascimento, cavernas gélidas que incitam sensações de uma mente aflita e desolada – já a imortalidade ambicionada torna a existência algo congelado e estagnado, uma espécie de prisão entre a vida e a morte. Acho que esses elementos representam, quase quarenta anos depois, o momento vivido pela banda atualmente. Eles sabem que criaram músicas incríveis e que viverão para sempre, mas, ao mesmo tempo, têm ciência de que o fim da trajetória como banda se aproxima, não desejando continuarem apenas como sombras daquilo que já foram um dia.
5. PRB – Concordo com você e acho a observação perfeita. O Geddy Lee usou exatamente esse termo de “ficar a sombra do passado”. Pois bem, sobre a trajetória de vida da banda que você citou acima, ficou muito bem evidenciada no “Beyond The Lighted Stage”. Após quase 5 anos do lançamento do filme, qual é a imagem que lhe é mais forte no documentário?
São várias, mas, sem dúvidas, ver o Neil e seus companheiros falando sobre as tragédias enfrentadas pelo baterista é muito tocante. As imagens foram muito marcantes para mim, pois foi nesse período que conheci a banda – meu primeiro contato mais amplo com os discos veio em 1997 e 1998, juntamente com as notícias terríveis das perdas.
6. PRB – O Neil fala num capítulo do livro “Ghost Rider” que ele se sentiu “traído pela vida” e eu fiquei com essa frase na cabeça. Fico imaginando o intenso luto que ele teve que passar depois daquilo tudo.
O Neil sempre foi um artista reservado como sabemos. Assim como a banda, ele quebra modelos e padrões. O Rush sempre lutou por sua independência na industria da música, e conseguiu conquistá-la. Neil jamais abriu mão da sua personalidade, ideias e privacidade. Ele é tímido, não consegue lidar bem com desconhecidos, e entende que ser próximo e aberto a todos como fãs, artistas e mídia em geral afirmam não deve ser um padrão. Digo isso pois, no período mais difícil de sua vida, ele concebeu um livro revelando toda sua experiência de cura da alma e ainda ofereceu os resultados de suas vivências no álbum Vapor Trails. Isso foi surpreendente e inspirador. No momento mais doloroso, ele se abriu por completo, entendendo que seu enfrentamento poderia ajudar outras vidas, da mesma forma que a natureza de todas as composições da história da banda.
7. PRB – Eu fico tentando achar alguma coisa para discordar de você, mas fica difícil, (risos), então eu vou tentar de alguma forma fazer isso agora. Você disse recentemente ““Uma pessoa que classifica a música produzida pelo Rush nos anos 80 como ‘pop’ prova que não conhece nem o Rush e nem o pop”, certo?! Olha que temos o print aqui, hein?!
Hahaha, sim disse isso. Foi uma espécie de desabafo pois, por trabalharmos tanto tempo em torno da banda e da sua obra (e por sermos fãs), temos muito cuidado com o que publicamos. O Rush Fã-Clube acabou se tornando uma referência, mesmo que todos tenham atualmente fácil acesso a sites muito mais antigos e completos como o Power Windows e o Rush Is A Band. Dessa forma, acabo me irritando um pouco com alguns veículos bem maiores que fazem um sensacionalismo vazio para vender seus produtos, a partir de trechos vagos de notícias para conquistar mais acessos em suas matérias. Recentemente, a Classic Rock lançou um puta material que trazia uma extensa entrevista com Ged e Alex, na qual eles comentam sobre toda a carreira e vários pontos-chave do que é o Rush de fato. Por fim, há os comentários sobre a artrite sofrida pelo Alex e a tendinite do Neil. Porra, porque eu deveria dar ênfase à parte mais triste, quando a matéria é tão maravilhosa e com a banda estando a todo vapor nos palcos da sua turnê de quarenta anos? Realmente não acho válido, e fico pensando como deve ser com as notícias que leio sobre outras bandas que gosto e que não acompanho com tanta intensidade como o Rush. Atualmente, tem sido muito complicado você se informar.
Falei tudo isso aqui porque, inevitavelmente, essas matérias vazias fomentam comentários geralmente muito infelizes. Em uma dessas minhas visitas a esses sites, li a postagem de um rapaz que dizia que o Rush era uma ótima banda, mas que a ‘fase pop’ dos anos oitenta ele simplesmente descartava. Cara, o próprio Peart disse: pop foi feito para ser popular, algo que o Rush jamais foi, em qualquer momento da carreira. Eu adoro muitas coisas no pop, mas acho que Rush e pop são coisas completamente inversas.
8. PRB – Entendi, quais são suas expectativas sobre a R40? Nós brasileiros será que teremos esse privilégio de vê-los novamente em ação nas Terras Tupiniquins?
No começo do ano, eu tinha uma fonte que afirmava que a banda estava em negociação com uma produtora brasileira, e que talvez essa nova visita contemplaria cinco cidades no país. O processo se tornou moroso, e não recebi mais atualizações. Sempre tive cuidado ao publicar esse tipo de notícia, respeitando todas as regras e limites que minha fonte solicitava, além dos próprios leitores. Porém, infelizmente, acho que meu informante falou do assunto com outra pessoa que não teve tanto cuidado, abrindo todo o jogo em algum grupo na internet. Resultado: a fonte fugiu (risos).
Como a própria banda mencionou, essa será a última grande turnê e, para os padrões do Rush, não considero trinta e cinco datas uma quantidade que se aproxime daquilo que estão acostumados a fazer. Dessa forma (e agora por opinião pessoal), acredito que a R40 deverá ter uma segunda perna em 2016, e nossas esperanças (e dos europeus) ficam para essa. Não sei até que ponto a realização do Rock In Rio esse ano pode implicar em dificuldades para a presença do Rush por aqui, mas acredito que esse possa ser um dos motivos. De qualquer forma, continuarei ligado nas novidades.
9. PRB – Vagner, para concluirmos, numa recente entrevista de Geddy num programa de TV, o apresentador selecionou 9 álbuns e o cantor/baixista/tecladista que come farofa e assobia ao mesmo tempo teve a árdua missão de colocar em ordem de importância na carreira da banda. Ficou assim: Moving Pictures; Permanent Waves; 2112; Hemispheres; A Farewell to Kings; Rush; Signals; Caress of Steel e Fly by Night. Agora essa árdua missão está em suas mãos, por favor faça o mesmo e se preciso for, discorde de Dirk.
Essa banda é tão sincera que eles falam sem maiores problemas dos discos que não gostam, dos que gostam, das canções que há décadas não ouvem e das mudanças de ideia (risos). Recentemente Ged comentou que, até alguns anos, não tocaria “The Camera Eye” de jeito nenhum, por considerá-la pretensiosa e datada demais. Porém, quando decidiram experimentá-la por pressão dos fãs, acabaram redescobrindo o quão maravilhosa é. Digo isso porque duvido muito que essa lista do Ged permaneça, caso seja questionado novamente daqui há alguns anos. Essa é uma das mágicas mais incríveis na banda – eles produzem canções que podem ser sentidas de diferentes formas a cada audição, em épocas diferentes. Há álbuns que amo, outros que sinto que ainda irei descobrir mais elementos interessantes. Dessa forma, irei citar os álbuns que entendo como pontos centrais na carreira da banda, de acordo com minha percepção, pelo que entendo ser o Rush – mas, como disse, certamente irá mudar, conforme eu mesmo continuar no meu ciclo inesgotável de mudanças que me caracterizam como humano (risos).
2112 – Permanent Waves – Moving Pictures – Clockwork Angels – Signals – Power Windows – Counterparts – Vapor Trails – Grace Under Pressure.
10. PRB – Não, mas peraí… as opções são: Moving Pictures; Permanent Waves; 2112; Hemispheres; A Farewell to Kings; Rush; Signals; Caress of Steel e Fly by Night. Queremos ver essa ordem, (risos). #Pressão
Geddy que me desculpe. Quem sabe quando eu completar 60 anos não terei essa mesma lista também (risos).
11. Grande Vagner, foi um imensíssimo prazer entrevistá-lo por quase 2 horas. Valeu a pena cada segundo, obrigado de verdade por compartilhar com a gente seu amplo conhecimento sobre a maior banda do Planeta. Grande abraço nosso e fica agora um espaço aberto para você fazer suas considerações.
Eu que agradeço, Tânios. Para mim sempre é um grande prazer falar do Rush, uma banda sem igual. E é gratificante me relacionar com pessoas com a mesma paixão como você. Desejo-lhe muito sucesso com seu novo site, e me coloco à disposição para qualquer ajuda que precisar.